Archive for julho, 2007

Uma cart…ahn, um bilhete…um post-it de reclamação

Oi. O meu nome é Classe Média. Mas pode me chamar de Clá.

É o seguinte, eu queria vir aqui dizer pra todo mundo que isso que tá acontecendo no Brasil é um absurdo. Pensem: antigamente, quem queria sair de férias sabia com antecedência o que devia fazer. Tinha que ir numa agência de turismo, um lugar com mesas de granito e ar-condicionado, e saber quanto custava uma passagem de avião.  Normalmente tinha uma tabela. Manaus-Fortaleza-Manaus, Varig, nove mil cruzeiros. Ou seriam cruzados? Não lembro, faz tanto tempo. Mas era assim. Aí, você passava o cartão de crédito e parcelava a passagem.

Todo mundo vestia uma roupa quentinha, porque avião é frio que só. E, se a roupa não fosse quentinha o suficiente, a aeromoça te dava um travesseiro e uma mantinha.  E também tinha aquela comida esquisita, com uma carne branca que podia ser frango ou peixe que dava na mesma. Mas ao menos era quente…

E é por isso que eu venho aqui protestar. Não, não, queridos, meu protesto não é contra andar com os joelhos espremidos na cadeira da frente. Nem contra as barrinhas de cereais. Tampouco contra isso de ter que ficar entrando na internet de madrugada pra tentar comprar uma passagem baratinha, pois agora os preços mudam duas ou três vezes por dia, não é mesmo?

Essas coisas de desconforto a gente até aguenta. Afinal, o importante da viagem é chegar no destino, não é mesmo? A gente se aperta um pouco, leva um pão com queijo dentro da bolsa, ninguém aqui é retirant….ops, ninguém aqui precisa ficar enchendo o bucho a dez mil metros de altura.

Eu já agradeço ao papai do céu todo dia que tive sorte de nascer numa casa que tinha colchão, lençol e TV pra eu ver o Fantástico. Jä foi uma tremenda sorte, e no mundo em que a gente vive, há que se ter sorte, não é mesmo? Porque você pode nascer num lugar civilizado como a Hungria, mas também pode ter azar e nascer num Burundi ou Burkina Fasso, e aí você já tem pontos negativos na corrida. Se você nasce num lugar feito o Brasil, você pode ter a sorte de nascer no Sãopaulominasriodejaneiro ou o azar de nascer em Itamarati, aí já viu, tá lascado. Então, eu tenho a sorte de nascer num patropi, abençoá por Dê, uma potência no esporte, tu viu na ginástica, quanta medalha? Mas do que eu tava falando? Ah, sim, eu tenho a sorte de ter nascido Classe Média, assim, sem morrer de coqueluche aos cinco anos nem correr o risco de escrever casa com “z” aos vinte e três. Tive a sorte e uma ajuda dos meus pais, que não eram bobos e pagaram minha aula de reforço, meu cursinho do vestibular e a mensalidade da PUC. E, além de sorte, a gente tem que ser esperto nessa vida. Então, eu, muito esperta que sou, sempre dei um jeito de não ter problema. O mendigo vinha pedir, eu fechava o vidro do carro pro problema dele não pegar em mim. A criança de rua tava se tremendo no chão, eu chamava o guarda pra levar aquele cheira-cola embora logo. Porque de problema, já bastam os meus problemas de classe média, como pagar a licença-maternidade da empregada.

E eu vinha sendo bem feliz nessa tarefa de evitar os problemas. Nem sempre eu consegui, não é mesmo? Quando o Collor confiscou a poupança, foi um problemão… E quando não tinha novela que prestasse, eu quase tomei consciência social por um momento, foi horrível, nem é bom lembrar. Aquela época de ficar andando em favela e ouvindo as Valdicreuza reclamando dos Uóxiton que batiam nelas. Mas isso passou logo, quem tem filhos pequenos precisa providenciar o dinheiro da creche, não é mesmo?

E por isso eu vim aqui dizer que isso de caos aéreo é muita sacanagem. Seca no nordeste, desmatamento da Amazônia, analfabetismo funcional, hospital de pobre lotado? Francamente, quem se importa? Esse pessoal não faz diferença nenhuma, não é mesmo? Tanto que o Brasil vive há trocentos anos com eles na merda, e nunca aconteceu nada de mais. A inflação que era ruim acabou, a censura que era ruim também acabou. E o país tava indo tão direitinho, eu via a novela toda noite e viajava uma vez por ano, pra esquecer das coisas ruins. Porque isso de pobreza é errado, não é mesmo, mas quem é que vai conseguir mudar isso que tá aí, não é mesmo?

E agora, isso é um absurdo. Esse país tem todo o direito de dar problema, desde que não seja COMIGO. E essa palhaçada de ficar dormindo no chão (como mendigo), andar pra lá e pra cá sem informação nem saber quando vou sair de lá (como pobre em hospital)  e ver pessoas iguais a mim morrendo de uma maneira estúpida (como os ribeirinhos que vêem os filhos e amigos morrendo de malária e sarampo) é um absurdo. Nem sei mais o que dizer, li na Vejinha que é um absurdo e eu acho um absurdo mesmo.

Por isso, acho que chegou a hora da sociedade organizada, espiritualizada e limpinha brasileira dar um basta nessa situação.Vou protestar contra a injustiça que é ser tratado como cidadão brasileiro comum. Não sei se acendo umas velas no saguão do aeroporto, ou se coloco um nariz de palhaço. Acho que a imprensa precisa ser avisada, afinal, muitos jornalistas são Classe Média como eu e viajam de avião também.  Sei que a primeira funcionária subalterna que aparecer nesse balcão vai ouvir esse meu grito que está engasgado na garganta. “CHAMA O GERENTE DESSA PORRA!”

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[Estou irritadíssima com toda e qualquer porra de demonstração de indignação com esse tal de caos aéreo dos infernos, que nada mais é que reflexo de toda a incompetência de VÁRIOS governos e empresários. Irritadíssima com o destaque que a imprensa deu pro acidente durante dois dias, e voltou a cobrir normalmente as medalhas do PAN. Irritadíssima com os comentários idiotas dizendo que esse país ficou uma desordem, sendo que o país e o mundo e o CARALHO A QUATRO sempre foram uma imensa desordem, uma imensa injustiça, uma imensa confusão, uma imensa ciranda de gatos puxando as sardinhas pras suas respectivas brasas. ]

[E mais uma prova que o país é uma desordem em várias áreas, camadas e abordagens: Sandro Viana, amazonense como eu, deu a arrancada final e ganhou o ouro junto com a equipe do revezamento 4×100 m. Ele vendeu moto, carro, fogão, geladeira e com certeza mais alguma coisa na casa dele pra conseguir viajar pras classificatórias em São Paulo. Ah, Sandro. Se você tivesse nascido na Hungria, ia ser diferente. Mas eu não sei te dizer se ia ser melhor.]

domingo, 29 / julho / 2007 at 2:49 am 43 comentários

Ulha ali de repente, maninho.

[Post suspenso temporariamente. Sair publicando coisas que não possuem direitos autorais assegurados pode me causar problemas. Compreendam, por favor.]

Enquanto isso, fiquem com uma foto engraçada. Sílvio Santos fazendo a Dança do siri, no dia 03 de junho, durante o programa “Qual é a Música?” Fotografei a televisão, juro pra vocês.

Silvio Santos fazendo a dança do siri

Alegria e felicidade pra todos nós.

segunda-feira, 16 / julho / 2007 at 12:52 am 9 comentários

Um post escrito com o coração leve e comovido

Baixei da internet “Histórias de cronopios y de famas”, do Cortázar. Em espanhol, porque em Português parece ser impossível.

Primeiro, eu vou colocar um dos contos do livro. Depois, conto uma historinha minha.

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EL CANTO DE LOS CRONOPIOS
Cuando los cronopios cantan sus canciones preferidas, se entusiasman de tal manera que con frecuencia se dejan atropellar por camiones y ciclistas, se caen por la ventana, y pierden lo que llevaban en los bolsillos y hasta la cuenta de los días.
Cuando un cronopio canta, las esperanzas y los famas acuden a escucharlo aunque no comprenden mucho su arrebato y en general se muestran algo escandalizados. En medio del corro el cronopio levanta sus bracitos como si sostuviera el sol, como si el cielo fuera una bandeja y el sol la cabeza del Bautista, de modo que la canción del cronopio es Salomé desnuda danzando para los famas y las esperanzas que están ahí boquiabiertos y preguntándose si el señor cura, si las conveniencias. Pero como en el fondo son buenos (los famas son buenos y las esperanzas bobas), acaban aplaudiendo al cronopio, que se recobra sobresaltado, mira en torno y se pone también a aplaudir, pobrecito.

O canto dos Cronópios

Quando os cronópios cantam suas músicas preferidas, se entusiasmam de tal maneira que com frequência se deixam atropelar por caminhões e ciclistas, caem pela janela, e perdem o que levavam nos bolsos e até a conta dos dias.

Quando um cronópio canta, as esperanças e os famas correm para escutá-lo ainda que não compreendam muito seu arrebatamento e em geral se mostram algo escandalizados. No meio da roda o cronópio levanta seus bracinhos como se sustentasse o sol, como se o céu fosse uma bandeja e o sol a cabeça de Batista, de modo que a canção do cronópio é Salomé nua dançando para os famas e as esperanças que estão aí boquiabertos e perguntando-se se o senhor cura, se as conveniências. Porém como no fundo são bons (os famas são bons e as esperanças bobas), acabam aplaudindo ao cronópio, que se recobra sobressaltado, olha em torno e se põe também a aplaudir, pobrezinho.

(Júlio Cortázar, Historias de cronopios y de famas. Tradução tosca e fuleira, feita por mim. )

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Meu pai era preguiçoso. Gostava de comer na cama, vendo televisão. Mas em alguns dias, raros dias, ele ia até a cozinha, jogava álcool dentro de uma panela e cortava calabreza em rodelas e tacava fogo na panela, fazendo as gorduras da linguiças explodirem longe. Cortava queijo qualho em cubinhos, lambendo os dedos e espalhando migalhas pelo chão da cozinha.

Minha mãe sempre reclamava quando papai pedia pra ela comprar queijo em bloco. Ela preferia comprar queijo já fatiado, porque detestava ficar com o cheiro de queijo nas mãos. Era ela quem lavava os pratos e esfregava a panela empretecida, após o fogareiro de álcool.

Descobri que sou filha de um cronópio e uma fama.

domingo, 15 / julho / 2007 at 3:28 pm 5 comentários

O amor

Pois o amor me ensinou todas as coisas.

O amor me ensinou os meus limites, os meus defeitos. O amor revelou minhas fraquezas, minhas imensas fraquezas, e minha decisão, minha força, meu pode. O amor me fez chorar muitas lágrimas e gritar de prazer.

E este amor é que me preenche. Este amor que pulsa, que palpita, que continua, vivo e forte, apesar dos golpes dolorosos e das sentenças de morte que recebeu. O amor é vivo, o amor é vida, o amor vive e eu vivo de amor.

E eu prossigo. Prossigo chorando meus erros, prossigo ciente dos meus pecados, cônscia de tudo o que não sou. Adiante, adiante, pois a maior beleza de ser humano é a capacidade de recomeçar quando não há mais nada.

E ainda há tanto. Há a lembrança e há a vontade de esquecer. Há a esperança, uma certeza de um futuro que haverá, planos a concretizar, conversas a ter. Ainda há a minha mesma força de sempre, desta vez renovada, mais adulta, mais humilde, mais sincera.

E o amor, a luz do amor resplandecente em mim, este amor pranteado, este amor engraçado, este amor que foi simplesmente o que precisava ter sido. E que ainda é. E que se transforma, agora unilateral, agora existindo apenas em mim, agora cultuado por mim em meu altar individual e secreto.

E há os outros amores, as muitas formas de amar, as outras apostas que fazemos nessa vida de estatísticas. Há os corpos e as almas, há a geografia que atrapalha, mas sempre há a história que precisa ser contada. Há alegria e há arrependimento; mas também existe o perdão . Não tenho medo de conquistar a remissão, sei que há suor a ser entregue, sei que há muito a trabalhar.

Eu vou  em frente. Eu vou amando. Eu vou.

domingo, 1 / julho / 2007 at 1:28 pm 27 comentários


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Aspas da Semana

Quando o amor vos fizer sinal, segui-o; ainda que os seus caminhos sejam duros e escarpados. E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos; ainda que a espada escondida na sua plumagem vos possa ferir. Gibran Khalil Gibran